Santo
Agostinho escreve que o sacerdócio é um serviço de amor (amoris officium)
porque é um serviço de pastor, é gastar a vida no zelo pelo rebanho que é o
povo de Deus. A caridade pastoral é a pedra de toque da vida sacerdotal bem
vivida, constitui o eixo da espiritualidade do padre diocesano e também a nota
característica da nova evangelização: “Evangelização nova em seu ardor supõe fé
sólida e caridade pastoral intensa...”. Deste modo, quem sente no íntimo do
coração o chamado de Deus para seguir a vocação sacerdotal deve se preparar
para o serviço de amor ao próximo no seguimento de Jesus, ou seja, na entrega
da vida. Há necessidade de um período relativamente longo de preparação.
Esta
preparação vai exigir um discernimento contínuo durante o tempo de formação que
inclui a vida no seminário, estudo na faculdade de filosofia e teologia,
trabalho de estágio pastoral, etc. Discernimento para descobrir a vontade de
Deus a respeito da própria vocação, e discernimento para perceber até que
ponto, está correspondendo com sinceridade aos sinais que Deus aponta no íntimo
do coração. “Discernir é separar, selecionar, interpretar e julgar, para escolher
e decidir”.
Há
hoje um conflito entre vida como projeto pessoal e vida como vocação. A vida
como projeto pessoal coloca o acento na liberdade da pessoa para fazer o que
lhe apraz, e a vida como vocação coloca a pessoa diante do mistério de um
chamado que faz do homem interlocutor de Deus. Daí surge o desafio de
harmonizar e relacionar o projeto pessoal com o chamado de Deus. O período de
discernimento tem como objetivo mostrar que a liberdade pode ser colocada a
serviço da causa do Evangelho, e a vida pode ser descoberta como dom e missão.
A vocação é dom do Espírito Santo, o vocacionado deve aprender a discernir com
ajuda da comunidade, daqueles que a Igreja coloca tendo a missão de ajudar no
processo de discernimento e de formação. São pessoas que tem o “ministério da
orientação”, pessoas espirituais que vão ajudar perceber a qual é a vontade de
Deus.
Daquele
que se sente chamado ao sacerdócio, o período de discernimento e formação vai
exigir muita atenção, disponibilidade e sensibilidade, para perceber os sinais
que serão emitidos a partir do interior. Nesta situação a vida de oração, a
espiritualidade é essencial para iluminar todo o processo de formação em todas
as suas dimensões. “A voz do Senhor que chama não deve ser esperada de forma
nenhuma, como algo que vá chegar de modo extraordinário aos ouvidos do futuro
presbítero. Pelo contrário deve ser entendida e distinguida por meio dos sinais
que diariamente se dão a conhecer aos cristãos atentos, prudentes”.
Todo
jovem chamado ao seguimento de Jesus na vida sacerdotal, recebe uma grande
graça de Deus, mas ao mesmo tempo esta graça, este dom é exigente. É um chamado
que impõe condições novas de vida, que faz o vocacionado diferente dos outros e
isto às vezes pode pesar. Já no Antigo Testamento se enfatiza a separação,
mesmo a respeito de familiares (Gn 12,1; Is 8,11; Jr 12, 6; 1Rs 19,4). Jesus
vai também ser exigente (Lc 9, 23-24). O seguimento radical de Jesus exige a
opção precisa de perder a vida no dom de si: “é morrendo que se vive”. Esta é a
experiência profunda que o jovem chamado ao sacerdócio deve conseguir fazer,
para ter paz durante o exercício de seu ministério e não ficar à mercê de uma
imaturidade que nunca termina, com seu corolário de indecisões, meias verdades
e decisões incompletas.
Durante
o período de formação para o ministério sacerdotal, muitos serão os elementos
que vão ajudar o seminarista a consolidar sua vocação e adquirir aquela certeza
de ter sido chamado, aquela intimidade com Jesus Cristo , que vai sustentá-lo
por toda a vida. Gostaria de destacar aqui três elementos que julgo
fundamentais, faço-o a partir da sinalização que nos dá o Concílio Vaticano II.
“Ao afirmar o primado da evangelização, o Vaticano II propõe ao presbítero uma
espiritualidade apostólica, profética e missionária, não só voltada em primeiro
lugar para o culto e a vida interna da Igreja, mas para a missão no mundo e a
convivência fraterna com os leigos (cf. PO n. 9)”. Lembremo-nos que somos hoje
recordados de que a Igreja é missionária por sua natureza e quer responder aos
desafios de hoje estando em permanente estado de missão: “A Igreja deve ir ao
encontro de todos com a força do Espírito”.
Em
primeiro lugar sinalizo o amor à Palavra de Deus. Quem se sente chamado ao
ministério presbiteral deve ser um apaixonado pela Palavra de Deus, pois será o
“homem da palavra”. O papa Bento XVI deixa bem claro a necessidade de se
apresentar a Palavra de Deus aos jovens vocacionados e seminaristas como sendo
fonte de firmeza e sabedoria: “Autênticas vocações para a vida consagrada e
para o sacerdócio encontram seu terreno propício no contato fiel com a Palavra
de Deus (...) Queridos jovens não tenhais medo de Cristo! Ele não tira
nada, e dá tudo. Quem se entrega a Ele, recebe o cêntuplo”. O papa recorda
ainda que o estudo destes livros sagrados deve ser como afirma o concílio Vaticano
II, a “alma da teologia”. O padre é profeta a serviço de um povo de profetas.
Sem conhecer e assimilar a Palavra de Deus, o padre corre o risco de pregar a
si mesmo e cair na mediocridade.
É
a partir da Palavra de Deus lida, refletida, meditada e rezada, que se
fortalece o amor a Jesus Cristo que é a seiva da árvore da vocação sacerdotal.
Ele é a suprema revelação de Deus: “Se eu te falei já todas as coisas em minha
Palavra, que é meu Filho, e não tenho outra palavra a revelar ou
responder que seja mais do que ele, põe os olhos só nele; porque nele disse e
revelei tudo, e nele acharás ainda mais do que pedes e desejas”.
Em
segundo lugar sinalizo o amor à Eucaristia. A Eucaristia é fonte e ápice de
toda a evangelização, é o centro da Assembléia Eucarística, o centro da
comunidade de fiéis presidida pelo presbítero. Sem a Eucaristia e a vivência do
mistério eucarístico impregnando a sua vida, o presbítero não vai perceber a
dimensão comunitária da Igreja, não vai captar a Igreja como mistério de
comunhão, poderá ser um diretor de consciências, conselheiro atento à vida
íntima das pessoas. Porém, o múnus de pastor não se reduz ao cuidado individual
dos fiéis, mas abarca a formação da comunidade cristã. “Não se edifica no
entanto, nenhuma comunidade cristã se ela não tiver por raiz e centro a
celebração da Santíssima Eucaristia: por ela há de se iniciar por isso toda educação
do espírito comunitário”. O padre é sacerdote a serviço de um povo
sacerdotal. Sem o gosto pela liturgia, cujo cume é a celebração Eucarística,
haverá sempre o risco de se tornar um “funcionário do culto” e podendo ser
fonte de desilusão para o povo de Deus.
Há
um contraste entre o fixismo e absolutização de expressões litúrgicas, de um
lado e o descuido e ignorância das normas litúrgicas de outro. Recordo aqui o
que escreve o Papa Bento XVI sobre a Eucaristia e a evangelização das culturas:
“A Eucaristia torna-se critério de valorização de tudo o que o cristão encontra
nas diversas expressões culturais”. Assim, é necessário que o presbítero
tenha cuidado, zelo e atenção às normas liturgias, mas também que tenha
abertura para o que nos ensina ainda o papa Bento XVI ao discorrer sobre
Bíblia e inculturação: “A aculturação ou inculturação será realmente um reflexo
da encarnação do Verbo, quando uma cultura, transformada e regenerada pelo
Evangelho produzir na sua própria tradição expressões originais de vida, de
celebração, de pensamento cristão”.
Em
terceiro lugar o amor ao Reino de Deus que exige o empenho para a construção de
uma sociedade justa e fraterna. Sem alçar o olhar para o que os Evangelhos
indicam como Reino de Deus, corre-se o risco de uma excessiva espiritualização
do ministério presbiteral que, não raro, desemboca no fanatismo ou na idolatria
de lideranças. O Catecismo da Igreja Católica aponta a Doutrina Social da
Igreja como “o desenvolvimento orgânico da verdade do Evangelho sobre a
dignidade da pessoa humana e sobre sua dimensão social. Ela contém princípios
de reflexão, formula critérios de juízo e oferece normas e orientações
para a ação em favor do Reino de Deus”.
O
Papa João Paulo II foi firme na doutrina, mas não menos firme em apontar a
necessidade do empenho social da Igreja, na busca de defender os princípios de
uma ética evangélica que trabalhe pela promoção integral da vida. Sua
preocupação com a justiça social nos legou o Compêndio da Doutrina Social da
Igreja no qual podemos ler: “Não menos relevante deve ser o esforço por
utilizar a doutrina social na formação dos presbíteros e dos candidatos ao
sacerdócio os quais, no horizonte da preparação ministerial, devem desenvolver
um conhecimento qualificado do ensino e da ação pastoral da Igreja no âmbito
social e um vivo interesse pelas questões sociais do próprio tempo”. A
Congregação para a Educação católica ofereceu indicações e disposições precisas
para a correta e adequada programação do estudo da Doutrina Social da Igreja
por parte dos seminaristas. O padre é rei/pastor a serviço de um povo real de
pastores.
Esta
tria munera, que são características, mas também tarefas da Igreja, povo de
profetas (Palavra), sacerdotes (Eucaristia) e Reis/Pastores (Paixão pela
justiça do Reino) devem ser plasmada na vida e na consciência daqueles que
estão se preparando para assumir o ministério presbiteral na Igreja. Um
processo formativo mal conduzido, pode tender o formando a fixar-se somente em
um destes itens. Ou privilegiando um em detrimento do outro o que produzirá
padres desequilibrados no exercício de seu ministério: alguns querem se dedicar
somente à Palavra conforme a tradição protestante. Outros com atenção somente
para a liturgia e sacramentos conforme a tradição da reforma tridentina e
outros ainda somente se ocupando da dimensão ética e social da fé caindo muitas
vezes na tentação do secularismo.
Quero
concluir esta reflexão sobre vocação e formação dos futuros presbíteros
recordando as palavras do apóstolo Pedro a Jesus: “Tu sabes tudo Senhor, Tu
sabes que eu vos amo” (Jo 21, 15-17). É o amor profundo por Jesus, Palavra
encarnada, Palavra que se faz pão na Eucaristia para a vida do mundo, que deve
nortear o itinerário de quem deseja tornar-se padre, ou quem já o é. O amor por
Jesus deve ser a explicação do caminhar, a síntese da história de cada um. Este
amor deve ser para o padre a chave de compreensão de toda sua vida e de seu
empenho pastoral. É este amor que dará forças ao padre para exclamar como
Ezequiel; “Andarei à procura da ovelha perdida e reconduzirei ao redil a que se
extraviou, carregarei aquela ferida e cuidarei da que está doente”(Ez 34, 16).
São
oportunas as ponderações do papa Bento XVI sobre a escassez de vocações
sacerdotais que transcrevo aqui e desejaria fossem lidas à luz do que refleti
acima: “A solução para a escassez não se pode encontrar em meros estratagemas
pragmáticos; deve-se evitar que os bispos, levados por compreensíveis
preocupações funcionais devido à falta de clero, acabem por não realizar um
adequado discernimento vocacional, admitindo à formação específica e à
ordenação candidatos que não possuam as características necessárias para
o serviço sacerdotal. Um clero insuficientemente formado, e admitido à
ordenação sem o necessário discernimento, dificilmente poderá oferecer um
testemunho capaz de suscitar noutros o desejo de generosa correspondência
à vocação de Cristo. Na realidade, a pastoral vocacional deve empenhar a
comunidade cristã em todos os seus âmbitos”.
Enfim,
o desabrochar da vocação sacerdotal e o processo de formação deve ser capaz de
introduzir o futuro presbítero na compreensão do dinamismo do amor cristão, o
qual consiste em abraçar a causa do amor-serviço como caminho para a liberdade,
no seguimento daquele que veio para servir e não para ser servido. É este amor
que sustentará o padre quando ele tiver que segurar nas mãos de Jesus e
caminhar sozinho com Ele.
Fonte: CNBB
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